No Country for Old Men (Este País Não É Para Velhos, 2007) - Análise e Crítica
No Country for Old Men comemora hoje, dia 9 de novembro, 10 anos de existência. Que dia poderia ser melhor do que este para se falar sobre esta fantástica obra-prima? SPOILERS!
Baseado no livro homónimo escrito por Cormac McCarthy, publicado em 2005, o filme começa no Texas ocidental e segue três personagens distintos numa história de gato e rato que começa depois de um negócio de droga correr mal, deixando 2 irresistíveis milhões de dólares em jogo.
O filme foi escrito e realizado pelos Irmãos Coen e este trata-se provavelmente do mais violento, tenso e provocador trabalho da carreira da dupla. Trata-se de filme surpreendentemente ambíguo e sem um género concreto onde se possa incluir. O género em que o filme melhor se encaixa será o western, ainda assim, há elementos que sustentam um chase movie, uma comédia negra, um filme de ação, ou mesmo apenas um drama sobre criminalidade e dinheiro, todos géneros com que a dupla de realizadores já havia trabalhado. No fim da discussão, concluímos que se trata de um filme dos Irmãos Coen com momentos de tensão estupidamente inquietantes e algumas conversas engraçadas e caricatas. Tanto os eles como o Tarantino têm um estilo próprio. Mas qual será o principal tema de discussão nesta obra? O filme é mesmo sobre o quê? Antes, comecemos pelos aspetos técnicos.
Discutivelmente, este é um dos trabalhos de câmara mais engenhosos que já vi. Há uma genialidade na escolha dos planos usados, tanto em termos estéticos com interpretativos. Se revirmos o filme várias vezes tona-se evidente o papel dos personagens e o respetivo arco, mas nunca de uma maneira infantil, os Coen sabem o que estavam a fazer. Exemplo disso, são os planos iniciais dos diferentes moinhos. Cada um tem a sua própria direção, mesmo que as paisagens selvagens e mordazes sejam visualmente arrebatadoras, os moinhos têm mais relevância do que parece, mas já falamos disso.
A fotografia do Roger Deakins é magistral. A imagem naturalmente agressiva e corrosiva do Texas ocidental ajuda bastante na construção de mundo, mas verdade é que sem aquelas cores e capturas visuais era dificílimo que o filme fosse igualmente provocador. Faz-me confusão que este homem não tenha um Óscar. Merecem também destaque o design artístico, o guarda-roupa e os penteados, que são igualmente importantes, tudo aqui é mais importante do que parece.
Há também muito a dizer sobre a estrutura narrativa, que é bem mais complexa daquilo que mostra ser ao princípio. O filme é um western na sua essência. Sendo assim, há bastantes estereótipos facilmente reconhecíveis presentes também em enormes clássicos como Il buono, il brutto, il cativo, de 1966 e C’era una volta il west, de 1968. No Country for Old Men oferece esses mesmo estereótipos: o herói corajoso, o vilão indestrutível, o xerife, os mexicanos, os gangsters e a sugestão de um duelo final, que acaba por nunca acontecer devido ao twist trágico e imerecido. Estereótipos esses trabalhados de uma maneira única, mais trágica e mais realista. Por exemplo, a mafia mexicana é praticamente uma personagem coletiva, não tem a mesma relevância que teria num filme do Sergio Leone; o suposto herói do filme é um homem comum que daria tudo para não estar ali e toma algumas decisões ingénuas; enquanto que o verdadeiro herói do filme é o Ed Tom Bell, interpretado pelo Tommy Lee Jones, um individuo que já viu muita coisa e que se sente genuinamente desiludido pelo mundo em que vive e por não conseguir se adaptar nele, diminuindo a sua figura autoritária e imponente; enquanto que o assassino impiedoso é carismático o suficiente para nos deixar interessados por ele, sem nunca deixar a sensação de pavor desaparecer.
O Anton Chigurh é simultaneamente o melhor personagem do filme e o mais vazio e misterioso. Falemos desta maneira, no início, aqueles moinhos moldam muito bem a personalidade dos três personagens centrais. Enquanto os primeiros dois moinhos que giram em relação ao vento seguem a direção pela qual estão indicados, o último gira só numa direção descontroladamente. O Anton Chigurh é fascinante nesse aspeto, é um homem inexpressivo, sem vontade própria, que apenas segue um sistema pequeno de regras e se recusa a observar os outros a não se adaptarem à sua “filosofia”. Este não é apenas um assassino extremamente cauteloso e maluco, ele é muito mais do que isso. A cena da bomba de gasolina (do jogo da moeda) e do hotel com o Woody Harrelson são exemplos geniais que demonstram perfeitamente a sua maneira de pensar e agir. É uma aula de cinema, os Irmãos Coen ensinam-nos constantemente a elaborar uma discussão complexa dentro de uma cena subtil e aparentemente mundana. Escusado será dizer que a performance monstruosa do Javier Bardem é a melhor da sua carreira. É um homem estranho e misterioso, as suas motivações são incertas, assim como a sua origem. O cabelo, a roupa, as armas, é tudo muito … muito bem pensado! Talvez esta caracterização toda possa explicar a sua última aparição. Porquê incluir aquele horrível acidente de viação no ato final? Será tudo apenas mais um ato de violência sem sentido ou propósito? Ou significa algo mais?
“Are you going to shoot me?” / “That depends. Do you see me?”.
Hoje podemos considerar que a performance que passa mais despercebida é a do Josh Brolin, claro, sem lhe tirar qualquer mérito. É o mais simples e eficiente retrato do homem comum do Texas apanhado numa situação indesejada. Tanto a sua ingenuidade e azar levaram-no àquele cenário sujo e, mais tarde, à sua morte.
Do lado dos homens bons, o ator que mais brilhou foi sem dúvida o Tommy Lee Jones. É um dos melhores retratos do homem dividido entre o seu dever enquanto xerife e a sua depressão e desilusão perante a geração mais evoluída e capacitada de crimes mais violentos e estupidamente complexos (um contraste evidenciado no facto de o personagem estar quase sempre sentado em cena). Sente-se desconsolado e frustrado por não conseguir compreender nem se adaptar na nova era para qual o mundo caminha. Os tempos mudam, é um facto, e essa sensação é bastante melancólica. Mas será tudo pelo dinheiro e pela droga?
“This ain’t no country for old men …”.
Os Irmãos Coen são peritos a construir diálogos e cenas que nos ficam imediatamente na cabeça. O filme tem demasiados momentos desses para citar. Decisões artísticas como não incluir qualquer música ou diálogos excessivos contribuíram para a atmosfera única desta pérola cinematográfica. Quem não gosta de cenas enormes e lentas sem diálogos não gostou de No Country for Old Men. Visual storytelling é uma opção fiável para criar algo único, só que infelizmente não é para todos.
No Country for Old Men é um filme soberbo, provocador, violento, magistral e brilhante no desenvolvimento da sua história. Todas as cenas superam a sua antecessora, tanto graças ao acontecimento em si tanto graças aos diálogos. É uma obra-prima do cinema contemporâneo que merece adoração de toda a gente que gosta do cinema feito na forma mais inusual. Quem sonha com fazer cinema deve ter esta obra em consideração, já que é um dos melhores filmes da carreira dos realizadores, do Século XXI e da História.
Nota: A+
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